
Em Amazônia, violência e tecnologias de poder, os historiadores Regina Beatriz Guimarães Neto (Universidade Federal de Pernambuco) e Vitale Joanoni Neto (Universidade Federal de Mato Grosso) nos
apresentam alguns dos textos publicados em diferentes revistas e livros nacionais e internacionais desde 2017, que são de inestimável interesse ao evidenciar o impacto das políticas públicas do Governo Federal e outras instituições do estado brasileiro na Amazônia.
as estratégias de empresários de vários setores que objetivam o controle da terra, do capital e do trabalho na região; o uso do
trabalho escravo contemporâneo; o impacto na fronteira amazônica dos processos migratórios e projetos de colonização na região; a degradação ambiental provocada pelas queimadas e desmata-
mento; as experiências de vida e as ações de resistência dos camponeses, povos indígenas e quilombolas, sobretudo em Mato Grosso e Pará, estados que foram cenário da maioria dos conflitos pela terra ocorridos no país desde os anos 1980 até os dias de hoje. Os estudos de Regina e Vitale, que poderiam ser incluídos em uma perspectiva historiográfica de história socio-cultural e político institucional, revelam também a função social do trabalho das historiadoras e historiadores e a solidariedade dos seus autores com setores populares que sofreram e sofrem as consequências da modernização elitista, conservadora, neocolonial e neoliberal na Amazônia. Assim as páginas deste livro que estão agora em suas mãos são uma extraordinária contribuição à sociedade e à historiografia brasileira para a compreensão dos impactos sociais, culturais e políticos e econômico-ecológicos do modelo de “modernização/desenvolvimento” implementados na Amazônia durante e após o fim da ditadura militar, cujos benefícios são escassamente revertidos à melhora das condições de vida da maioria da população que reside na região.

Este livro reúne pesquisadores e membros de comunidades indígenas de Mato Grosso e de outros estados brasileiros, especialmente na Região Amazônica, para analisar e discutir temas relacionados aos impactos socioculturais produzidos pelo modelo de desenvolvimento econômico dominante no Brasil. Como é possível notar nos capítulos aqui apresentados, alguns deles foram produzidos diretamente por pesquisadores(as) indígenas, ou
tiveram a sua participação direta como membro da equipe de pesquisa coletando dados em campo.
Essa inserção de pesquisadores(as) indígenas diretamente na execução da pesquisa, produzindo textos como resultado das
investigações, é em boa parte possível graças à sua inserção no ambiente acadêmico nacional. Particularmente em Mato Grosso, o ingresso de alunos e alunas indígenas no ensino tecnológico e superior nas instituições públicas (UFMT, IFMT, Unemat) assegurou um novo espaço de atuação já consolidado e que permite que em diversas áreas professores, agentes de saúde, entre outros
profissionais, sejam membros do próprio povo.

A floresta amazônica chegou ao ano de 2020 marcada pela tragédia.Desde o malfadado “dia do fogo” (10 de agosto de 2019), apresentado de forma bizarra como manifestação de apoio a um presidente descompromissado com a preservação desse bioma, milhares de hectares de mata queimaram continuamente, dia após dia. As consequências ainda estão se fazendo sentir. As perdas em biodiversidade são difíceis de calcular, mas certamente afetam os ecossistemas e os meios de vida das populações rurais e ribeirinhas.
Ler MaisOs impactos sociais e ambientais são denunciados diuturnamente em todo o mundo, de maneira inútil. A sociedade brasileira manteve-se (não apenas sobre esse tema) estranhamente impassível, ainda confusa e dividida desde a última campanha eleitoral dominada por desinformação e irracionalidade. Já a opinião pública internacional, movida pelo volume de informações que circulou nos veículos de notícias e nas redes sociais, pressionou seus governos a tratarem o Brasil com desconfiança. A Amazônia é um desses casos emblemáticos de recrudescimento de uma construção ideológica sobre a primazia de desenvolvimento e a exploração de recursos. Das autoridades públicas e religiosas dos séculos XVI e XVII, passando pelos naturalistas dos séculos XVIII e XIX, chegando aos documentos e aos estudos produzidos no século XX. Impressiona a recorrência da visão edênica sobre a floresta, as impressões sobre o exotismo dos povos indígenas contatados, sobre a exuberância da fauna e da flora. Esse olhar “de fora”, que não raro se estende sobre todos os que habitam esses espaços, é um dos pontos centrais desse entendimento exógeno e relacionado ao pensamento político-econômico dominante. Esta obra pretende refletir sobre tendências e legados do passado, examinando diversos aspectos da Amazônia: históricos, antropológicos, sociológicos, legais,
culturais, ambientais e geográficos. O conjunto de especialistas acadêmicos aqui reunidos, muitos dos quais moram e trabalham nos estados amazônicos, propôs-se a olhar para esses aspectos e, trazendo-os em seus textos, proporcionar uma aproximação entre esse mundo diverso e os leitores do presente livro. Sua justificativa decorre da necessidade de avaliar alguns paradigmas e discrepâncias que persistem, mesmo após longas décadas de estudos e divulgação de informações. Resistem mesmo ao encurtamento das distâncias, característica do século XXI.